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30/12/2018 12:21
Cultura
Arte do bordado proporciona bem-estar e muda a vida de mulheres do Litoral Norte

Do simples bordado - feito em pedaços de pano de algodão - até a fabricação minuciosa dos detalhes de um vestido, um grupo de bordadeiras alagoanas faz sucesso pelo País. Elas são as componentes do projeto Bordazul, implantado pelo Serviço Social do Comércio (Sesc), que busca melhorar a qualidade de vida e ajudar na superação de doenças crônicas, utilizando as mais variadas ferramentas - incluindo o artesanato.

 

Antonia, Anunciada, Hercilia, Ivandeje, Maria José, Natália, Nazerilda, Quitéria, Renilda, Zelma são algumas das bordadeiras que se encontram toda segunda-feira à tarde, no Balneário do Sesc Guaxuma, para aprimorar os traçados de linha e agulha.

 

Criado há 3 anos com o nome inicial de "Nós do Bordado", o grupo é de aproximadamente 23 mulheres, todas moradoras das comunidades do Litoral Norte alagoano, e o trabalho desenvolvido é de tanta qualidade que rende exposições e oficinas pelo Brasil.

 

O surgimento da iniciativa é explicado pela assistente social e supervisora do projeto, Mabel Araújo. "O programa surgiu a partir da necessidade de um trabalho direcionado para mulheres acima de 40 anos com perfil epidemiológico de doenças crônicas não transmissíveis, como depressão, diabetes, obesidade, entre outros", enfatiza.

 

De acordo com Mabel, a demanda foi feita pela Unidade de Saúde da Família Guaxuma, localizada no Conjunto Elias Pontes Bonfim, tendo como público-alvo mulheres carentes e residentes do Litoral Norte de Alagoas. Sobre a dinâmica do programa, ela explica que varia entre rodas de conversa, palestras e debates, sempre sobre saúde, realizados todo começo do ano pelos próprios membros.

 

Ao mesmo tempo em que exercem com destreza e agilidade a técnica da linha e agulha para a elaboração do bordado, as discretas bordadeiras conversam animadamente entre si sob a supervisão da assistente social Mabel Araújo ou de professoras voluntárias contratadas pelo Sesc.

 

As mesas do restaurante são espalhadas com as suas produções. Almofadas, roupas, bolsas, enfeites para decoração, são alguns exemplos das confecções mais comuns.

 

As integrantes do Bordazul são de baixa renda, estão na da terceira idade e a maioria é considerada veterana. Por meio da Prefeitura de Maceió, todas já adquiriram a Carteira de Artesã, mas, para elas, comercializar as obras é apenas um bônus proporcionado pelo bordado.

 

O objetivo é desenvolver o bem-estar e ajudar a superar os problemas de saúde, que vão de distúrbios emocionais, como depressão e síndrome do pânico, até doenças crônicas, como diabetes. Muitas atribuem ao aprendizado e execução do bordado um dos principais motivos no melhoramento da saúde, e contam não se imaginarem sem o projeto.

 

A história do grupo

 

Tudo começou quando duas colegas de curso tinham em comum o afeto de contar histórias e de bordar. A partir disso, as amigas Giannina Schaeffer Bernardes e Lúcia Galvão acharam que a combinação deveria ser tirada do papel. Junto de outra idealizadora, elas correram atrás de propostas para construir a ideia, e Giannina sugeriu nome "Nós do Bordado" para retratar tanto o "nós" do coletivo que iria compor o grupo quanto os nós da linha do bordado.

 

Em pouco tempo, o projeto já tinha sua filosofia própria. "Na nossa proposta, utilizamos dinâmicas diversas, vivências, rodas de conversas, atividades lúdicas, poesias e música, como forma de acessar as memórias individuais e coletivas, e para ampliar e enriquecer o repertório dos participantes", diz Giannina.

 

Mesmo com o apoio da Associação dos Pais e Amigos dos Leucêmicos de Alagoas (Apala), o Nós do Bordado carecia de algo para garantir continuidade. Segundo Giannina, no começo, o projeto funcionava somente pela parceria e disposição das duas fundadoras.

 

Após o progresso do trabalho em várias comunidades, mais exatamente em 2013, o Sesc se tornou apoiador da iniciativa. "Ele nos procurou para desenvolver um projeto com um grupo de mulheres moradoras do Litoral Norte de Maceió que faziam parte do programa Conversando sobre Saúde. A solicitação era de relatar o local e a vida delas através do bordado", conta Giannina. Em 2015, a parceria do projeto foi dissolvida. Porém, a fundadora diz ter optado pela continuidade por estar envolvida com as integrantes.

 

Com a exibição "Tacho no Riacho", na qual retratou as personalidades do bairro de Riacho Doce, o nome Bordazul foi escolhido. Depois de várias sugestões, a ideia da bordadeira Maria Natália Alves, de 51 anos, foi titular o projeto correlacionando a prática do bordado com o azul das praias de Maceió.

 

Trajetória

 

A professora Giannina Bernardes enfatiza que a iniciativa sempre trabalhou com grupos de lugares e idades diferentes. "Já realizamos atividades na Apala com pacientes, familiares, profissionais, técnicos e funcionários em geral; em São José da Laje com grupo de mulheres; Piaçabuçu com grupos de jovens; no Conselho Federal de Psicologia (CFP) com profissionais e estudantes da área; no Museu Théo Brandão com crianças, além de variadas ações dentro do Sesc", diz.

 

Ela destaca que em meados de 2016, a exposição "Tacho no Riacho" marcou uma fase importante da trajetória do grupo. O Bordazul foi selecionado no edital das Artes Eris Maximiano, um concurso organizado pela Prefeitura para premiar projetos culturais e artísticos da cidade.

 

"Quando soube da aprovação, foi uma imensa alegria para nós. A proposta era dar continuidade ao processo de fortalecimento cultural e de incremento da autoestima, autonomia e promoção de saúde. Algo que havia sido iniciado com as primeiras ações", completa Giannina, responsável por inscrever o grupo no edital.

 

Mas, em meados de abril a julho do mesmo ano, o cronograma apertado de atividades pelos próximos 3 meses sofreu algumas paralisações por atraso de verbas. As novas parcerias supriram os prejuízos, e deram espaço para planejar a próxima grande exposição.

 

"Nos encontros, elas decidiram bordar personalidades do bairro de Riacho Doce que tinham importância pessoal, coletiva, do ponto de vista histórico e principalmente afetivo", comenta a fundadora.

 

As bordadeiras

 

Estudos feitos por cardiologistas na Universidade de Harvard apontam que bordar traz sensações ao corpo semelhantes à meditação e yoga. Os hormônios ligados ao estresse podem reduzir drasticamente devido a diminuição dos batimentos cardíacos. É possível perceber esses efeitos em Waldeci Sarmento, 65 anos, ou Tita, como gosta de ser chamada.

 

Natural de Pernambuco, a cabeleireira é moradora de Riacho Doce há mais de 30 anos. As complicações na saúde começaram a aparecer depois da morte do marido. "Cuidei dos meus filhos sozinha e, por essa carga, acabei sendo diagnosticada com depressão. A partir daí, uma amiga que fazia parte do projeto me levou para conhecer e eu fiquei. Não tenho palavras pra descrever o quanto a arte de bordar melhorou minha autoestima e o relacionamento com as pessoas dentro da minha casa", expressa.

 

Além dos ganhos na saúde, a convivência acabou formando uma grande família. "Essa interação faz a gente aprender e ensinar outras pessoas também. Aqui todas estão sempre se ajudando no que precisa. Para mim, é como se fosse uma segunda casa", destaca a bordadeira.

 

As veteranas Lena Santos da Silva de 66 anos e Nilda dos Santos Alves, 61, também adotaram o bordado como um estilo de vida. Portadora de síndrome do pânico, a faxineira Lena comenta a influência da linha e agulha na sua vida.

 

"Saímos de lá leves, cantando e rezando. O projeto afetou positivamente em cem por cento a minha vida. Antes eu não conseguia dormir direito por conta insônia e tinha arritmia. Em dois anos como integrante a minha saúde deu um salto. Hoje, só tomo remédio duas vezes ao dia e não sinto mais nada".

 

A pequena casa com vista para o mar na ladeira do Morro da Caixa d'Água, no bairro do Riacho Doce, é repleta de enfeites confeccionados por ela. Todas as produções são mantidas em grandes sacolas - também bordadas - e ficam no fundo do seu quarto. Para Lena, comercializar o bordado não é a primeira opção.

 

"As pessoas não valorizam o trabalho e querem pagar pouco. Por isso, deixo aqui comigo como lembrança, mas aceito encomendas", comenta. Já Nilda utiliza a linha e agulha como parte indispensável na rotina.

 

"Se não estou cuidando da casa, é bordando ou costurando. Quando passo pelo menos um dia sem o meu bordado, já começo a ficar ansiosa e angustiada, é uma forma de terapia pra mim", relata.


A paixão começou logo após a morte do filho há 11 anos, que faleceu por conta de problemas renais. "Sempre digo que bordado foi a minha salvação. Eu vivia triste, chegava ao ponto de só conseguir dormir com remédios. Mas, depois que aprendi a bordar, não consegui mais deixar de lado. Quando sento pra praticar me esqueço de tudo", expressa emocionada.

 

Há quatro anos ela se integrou ao grupo de bordadeiras do Litoral Norte e soube do projeto pela cunhada. Desde então, tem dedicado a maior parte do seu tempo à prática. Entre os cômodos da sua casa no bairro da Garça Torta, um em especial é reservado como ateliê. O pequeno quarto abriga uma máquina de costura de 30 anos, uma cama e um armário apenas para guardar as produções. "Mesmo cansada, venho aqui todo dia e bordo. Quando estou ocupada, levo alguma peça para a cozinha, e às vezes, até queimo a comida por estar tão distraída", expressa.

 

Além do Litoral

 

Financiadas pelo Sesc, as oficinas e exposições deixaram de ser locais, e hoje, as bordadeiras já levam a arte e a cultura da linha e agulha pelo país. As primeiras viagens começaram a ofertar oficinas de criação gratuitas em municípios como Teotônio Vilela, Piranhas, Palmeira dos Índios e Pilar.

 

Mas, a integração do designer paulista Renato Imbriosi ao projeto, neste ano, modernizou as peças e abriu as primeiras portas para o reconhecimento nacional. Na primeira ação, o trabalho foi feito com bordadeiras do município da Ilha do Ferro, Sertão de Alagoas, para a troca de técnicas e, principalmente, de conhecimento.

 

Com o sucesso das obras, o Bordazul emplacou duas exposições no Rio de Janeiro. Realizado no Município de Paraty, a primeira mostra nacional expôs cartões bordados com autorretratos das integrantes e fotografias de bairros do Litoral Norte, como Riacho Doce.

 

A exposição mais recente, denominada de "Casa Bordada", é patrocinada pelo Centro Sebrae de Referência do Artesanato Brasileiro (CRAB) na cidade do Rio. O projeto, que apresenta obras de artesãos de todo o país, reproduz a estrutura de uma casa feita de tecidos bordados. A intenção é registrar as histórias e as diferentes culturas de cada bordador. Atualmente, a exposição está aberta a visitações e funcionará até fevereiro do ano que vem.

 

 

 

 


Por Andira Miranda e Victor Lima/gazetaweb

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