24/04/2024
31ºC Maceió, AL Parcialmente nublado
(82) 99699-6308

Notícias

14/08/2018 08:16
Mundo
Por que o Cazaquistão decidiu trocar seu alfabeto
A mudança do cirílico para um alfabeto baseado no latino também foi feita por outras ex-repúblicas soviéticas e tem sido interpretada como um meio de o país reiterar sua posição como nação independente.
/ Foto: BBC/Taylor Weidman)

O Cazaquistão está mudando seu alfabeto oficial do atual cirílico para outro baseado no latino, que é utilizado para escrever a maior parte das línguas ocidentais. A transição, prevista para ocorrer em etapas até 2025, vai sair caro - o governo estima algo próximo de R$ 2,5 bilhões, valor que economistas acreditam estar subdimensionado.

No passado, o cazaque já foi escrito com os alfabetos árabe e latino. Assim, a mudança, também realizada em períodos anteriores por outras ex-repúblicas soviéticas, tem sido interpretada como um meio de o Cazaquistão voltar ao passado e reiterar sua posição como país independente.

O novo alfabeto foi anunciado em outubro de 2017 e recebeu críticas da população - algo raro para um país governado há três décadas pelo pulso firme de Nursultan Nazarbayev. A primeira versão foi considerada "feia" e passou por uma reformulação em fevereiro, que substituiu apóstrofes por acentos agudos.

Então, por exemplo, República do Cazaquistão, que no formato inicial seria escrita como Qazaqstan Respy'bli'kasy virou Qazaqstan Respýbl?kasy. Essa última versão parece ter agradado mais.

"Está mais bonito!", exclamou Asset Kaipiyev, dono de um pequeno restaurante em Astana, capital do Cazaquistão, ao ver o novo formato do alfabeto, aprovado pouco antes por Nazarbayev.

Kaipiyev abriu seu restaurante em dezembro e chamou-o de Sa'biz, soletrado com a primeira versão do alfabeto latino. Mas todo seu material de marketing - do guardanapo ao enorme letreiro - terá que ser substituído. Kaipiyev não cogitou a hipótese de o governo rever o alfabeto e agora estima gastar US$ 3 mil (R$ 11,2 mil) com a mudança.

O que Kaipiyev e outros donos de pequenos negócios estão passando afetará em maior escala o país, que precisará mudar desde documentos oficiais a livros didáticos, além de ensinar a população a nova escrita.

 

Línguas oficiais
De acordo com o censo de 2016, cazaques compõem cerca de dois terços da população, enquanto que os russos somam 20% dos habitantes do país. Hoje, o cazaque e o russo são as línguas oficiais. Mas os anos sob domínio do governo soviético levaram o russo a ser falado pela maioria do Cazaquistão - quase 94% dos mais de 18 milhões de cidadãos são fluentes na língua. A fluência em cazaque é de 74%.

Enquanto isto, a frequência de uso da língua depende da região. Províncias do Norte e centros urbanos influenciados pela Rússia, como Almaty e a capital, Astana, usam o russo tanto nas ruas quanto nos escritórios do governo. No Sul e Oeste, o cazaque é mais usado.

O cirílico é o alfabeto-base do russo e também foi adaptado para o cazaque durante o governo soviético. Na história, o cazaque fora escrito com os formatos árabe e latino. O lançamento do novo alfabeto, portanto, é uma volta ao passado anterior à influência soviética.

Essa transição já ocorreu há décadas em outras ex-repúblicas soviéticas. O Azerbaijão começou a introduzir livros didáticos no alfabeto latino no ano seguinte à dissolução da União Soviética, que ocorreu em 1991. Já o Turcomenistão seguiu pelo mesmo caminho a partir de 1993.

Mudança em etapas
A mídia estatal anunciou que o orçamento do governo para a transição dos próximos sete anos - dividida em três etapas - será de 218 bilhões de tenges (R$ 2,4 bilhões). Do total, cerca de 90% seriam investidos em educação.

A primeira etapa, entre 2018 e 2020, inclui a criação de um departamento governamental para coordenar a transição, a tradução de livros e outros materiais didáticos e o treinamento de professores. Na segunda, entre 2021 e 2023, a nova escrita será introduzida ao público e as diretrizes de ensino serão atualizadas. Na última, prevista para 2024 e 2025, ocorrerá a tradução de documentos oficiais e das notícias da mídia estatal, e será expandida ainda a campanha de "conscientização".

Munalbayeva Daurenbekovna, diretora da Biblioteca Acadêmica Nacional, tem ministrado aulas abertas a bibliotecários e outros interessados na escrita latina. "Professores terão que estudar todos os dias durante um mês. Para as crianças, seriam necessárias apenas dez aulas, porque elas aprendem mais rápido que os adultos", explica.

Sem um detalhamento dos gastos em cada rubrica, economistas têm tido dificuldade de mensurar os custos da empreitada. Os ministérios das Relações Exteriores, Educação e Cultura não responderam aos pedidos de comentários e esclarecimentos.

Escrita oficial
Um impacto difícil de medir seria a fuga de cérebros. "Se a reforma não for bem implementada, há grandes riscos de que pessoas altamente qualificadas que falam russo, incluindo alguns da etnia cazaque, considerem emigrar", diz Eldar Madumarov, economista e professor da Universidade KIMEP, em Almaty. "Eles correm risco de perder boas oportunidades."

Esse risco ficou evidente em fevereiro, quando o presidente Nazarbayev, bilíngue, ordenou que todas as reuniões de gabinete fossem realizadas em cazaque. Como o russo há muito tempo é a língua para os assuntos de Estado, o comando do governo por russos muitas vezes supera o de cazaques. Com isso, uma reunião transmitida pela TV mostrou oficiais com dificuldade de se expressar, alguns optando pela tradução simultânea.

Além disso, documentos de identidade, passaportes, leis e regulamentações - toda a papelada que governos precisam para funcionar - terá que ser traduzida. O governo anunciou que isto fará parte da terceira etapa da transição, mas não especificou o quanto irá custar, alerta Kassymkhan Kapparov, diretor do Departamento de Pesquisa Econômica do Cazaquistão, com base em Almaty.

Outra mudança ainda sem orçamento definido é a implementação do novo alfabeto pela mídia estatal. "Para se usar o novo alfabeto, será preciso treinar as pessoas primeiro, e então adaptar toda a infraestrutura de TI ao novo formato", ressalta o especialista. "Para isso eles não deram uma estimativa…. Com base nas minhas projeções, o custo ficaria em torno de US$ 15 milhões e US$ 30 milhões (de R$ 56 a R$ 112 milhões)".

E esses são números apenas para o setor público. "O setor privado teria que fazer isso por conta própria, obviamente. Poderia gastar o dobro, ou dez vezes", diz Kapparov. "Isto depende do quão rígido o governo será; por exemplo, será exigida a mudança no período de um único ano? É possível que sim. Com nosso governo, nunca se sabe".

 

 

Fonte: G1

Comentários

Utilize o formulário abaixo para comentar.

Ainda restam caracteres a serem digitados.
CAPTCHA
Compartilhe nas redes sociais:

Utilize o formulário abaixo para enviar ao amigo.

Mundo