A manutenção do Instituto dos Pretos Novos, que ficou ameaçado de fechar as portas por falta de apoio financeiro, motivou hoje (15) uma manifestação de solidariedade na sede do espaço cultural, criado a partir da descoberta de um sítio arqueológico, o Cemitério dos Pretos Novos, no subsolo de um casarão do século 18 na Gamboa, bairro da zona portuária do Rio de Janeiro.
A programação começou com uma palestra do antropólogo Milton Guran, consultor do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e responsável pela elaboração da candidatura do Cais do Valongo de outros marcos da escravidão na região portuária a Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco).
Localizado nos números 32, 34 e 36 da Rua Pedro Ernesto, o imóvel que hoje sedia o instituto abriga no subsolo os restos de um antigo cemitério de escravos. Entre 1772 e 1830, no Cemitério dos Pretos Novos, eram enterrados os escravos que, debilitados pelas péssimas condições das longas viagens nos navios negreiros, morriam nos primeiros dias após a chegada ao Brasil.
Estima-se que entre 20 mil e 30 mil escravos tenham sido enterrados no local. Em 1996, o casal Merced e Petruccio Guimarães, novos proprietários do casarão, resolveram fazer uma reforma no imóvel. Ao escavarem o chão da casa, descobriram ossadas pertencentes aos negros ali enterrados, na época em que o local fazia parte do grande mercado de escravos que constituía essa parte da região portuária carioca.
Foram encontrados mais de 5 mil fragmentos arqueológicos no local, e os ossos não cremados permitiram identificar 28 corpos, a maioria deles de homens com idade entre 18 e 25 anos. Pontas de lança, argolas, colares, contas de vidro, artefatos de barro, porcelanas e conchas também fazem parte do acervo.
Além de local de estudos e pesquisas arqueológicos, o Instituto dos Pretos Novos, criado e dirigido por Merced Guimarães, funciona como centro de informação cultural e artística, por meio de uma galeria de arte e de uma biblioteca, ambas com o nome de Pretos Novos. Para se manter, a instituição recebia um aporte da prefeitura do Rio, por meio da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região Portuária, de R$ 85 mil por ano.
Segundo Merced, a última parcela foi paga em março. “Tivemos uma reunião há duas semanas, quando ficou acertado que eles vão imprimir 15 mil livretos nossos e dar um apoio emergencial de R$ 8 mil agora em maio, para que o instituto não tenha que fechar as portas. Para o mês de abril, recebemos doações. Após 90 dias, seriam liberados R$ 100 mil para o ano”, disse a diretora.
Na reunião com a direção do Instituto dos Pretos Novos, a companhia informou que, mesmo após o término do contrato de quatro anos, o instituto continuará recebendo aporte municipal e será incorporado ao projeto do Museu da Escravidão e Liberdade, da Secretaria Municipal de Cultura. O acordo proposto prevê ainda um plano de trabalho para a sustentabilidade do centro cultural.
Por meio de nota, a prefeitura informou que ainda está definindo o modelo e qual secretaria será responsável pelo pagamento. Segundo a Secretaria Municipal de Cultura, o valor a ser patrocinado também ainda está em negociação e foi pedido que a instituição faça um novo levantamento de custos.
Sem ser contrária à implantação do Museu da Escravidão, Merced Guimarães defende uma política pública específica para o instituto que dirige. “O IPN [Instituto dos Pretos Novos] não pode só o que é hoje a vida inteira. Nós temos um projeto arquitetônico com mais dois andares, com salas de aula climatizadas e um acervo técnico”, disse.
Candidatura a Patrimônio Mundial
Para o antropólogo Milton Guran, o Instituto dos Pretos Novos é um dos pilares da candidatura dos chamados testemunhos da escravidão na região portuária do Rio a Patrimônio da Humanidade. “Como é que você vai convencer a Unesco que vai cuidar do Cais do Valongo e, ao mesmo tempo, deixar desaparecer um local como esse?”, indagou.
Ele destacou que o sítio arqueológico que o instituto abriga é o testemunho vivo da perversidade da sociedade escravocrata. “Nós chamamos de cemitério, mas na verdade esse local era um aterro sanitário, em que corpos de seres humanos eram jogados junto com corpos de animais, cacos de lixo urbano, pedaços de bois e tudo mais.”
De acordo com o consultor do Iphan, a escolha de um local como Patrimônio da Humanidade é bastante complexa. "Não depende só do bem em si. Todas as condições políticas que envolvem o bem são determinantes para que ele possa entrar na lista”. Pelo Cais do Valongo entraram no Brasil, segundo estimativas, 1 milhão de africanos, um quarto do total que ingressou no país durante a escravidão, o que faz do local o mais importante ponto de desembarque de escravos nas Américas durante todo o período do tráfico negreiro.
“Como patrimônio, no entanto, o Valongo não se limita ao cais, mas sim a todo um complexo escravagista, que abrange armazéns de guarda de cativos, salas de venda de escravos, comércio de mercadorias ligadas ao tráfico e todo o conglomerado de africanos, livres ou cativos, que se organizavam aqui”, ressaltou Guran. Segundo ele, em junho, a Unesco deve dar uma resposta sobre a candidatura do Valongo, que já passou pelas etapas preliminares exigidas pelo organismo das Nações Unidas.
O encerramento do ato em apoio ao Instituto dos Pretos Novos foi marcado pela 50ª apresentação da Roda de Capoeira Angola do Cais do Valongo, reunindo capoeiristas de todo o Rio de Janeiro. Mais tarde, o grupo se integrou ao 15º Tambor de Aleluia, com atividades de diversos grupos culturais na Praça da Harmonia, também no bairro da Gamboa.
*Colaborou Nanna Pôssa, do Radiojornalismo
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