A Justiça de Ribeirão Preto (SP) expediu uma liminar que obriga o Estado a realizar uma cirurgia em uma paciente de 25 anos que faz tratamento hormonal para mudança de sexo há cinco anos. O prazo é de 30 dias a partir da notificação.
Autora da ação civil que resultou na medida, a Defensoria Pública informa que a transexual nasceu como homem e desde a infância tem transtorno de identidade.
Sem condições de ser atendida na rede particular, ela vive um sofrimento diário à espera do procedimento, que pode demorar mais de dez anos pelo Sistema Único de Saúde.
"Ela se obrigou a fazer isso, porque não poderia esperar esse prazo, porque isso envolve muito sofrimento. Ela tem dificuldade no meio social, no trabalho", afirma a defensora Ana Simone Viana Costa Lima.
A decisão, que também cobra a responsabilidade da Prefeitura de Ribeirão, ainda obriga o poder público a bancar todas as despesas necessárias ao deslocamento da paciente. Em caso de descumprimento, a multa diária é de R$ 3 mil. Ainda cabe recurso.
"O dilema enfrentado é evidente: por toda uma vida tem convivido com o desconforto de se sentir mulher habitando um corpo de homem", expediu a juíza 2ª Vara da Fazenda Pública de Ribeirão, Lucilene Aparecida Canella de Melo.
Procurada, a Secretaria de Estado da Saúde comunicou que vai discutir com o município a melhor maneira de encaminhar a paciente para a cirurgia. A Prefeitura informou que estuda se vai recorrer da liminar.
Mudança de sexo
Ana Simone relata que a transexual de 25 anos é acompanhada pelo Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto - que não realiza a cirurgia - desde 2011 e faz tratamento hormonal para mudança de sexo.
Desde criança, segundo a defensora, a paciente sente que seu aspecto masculino é incompatível com sua convicção de ser do sexo feminino. "Isso praticamente é uma tortura", afirma a defensora.
Antes de ingressar com a ação em 2015, também através da Defensoria Pública, a mulher transexual obteve o direito de mudar seu nome de registro.
Apesar de a paciente preencher os requisitos legais e biológicos previstos no Conselho Federal de Medicina, a defensora diz que não há previsão sobre a realização da cirurgia de redesignação sexual (CRS). Diante da demora, a única solução, segundo ela, foi ajuizar a ação.
"Pra fazer a cirurgia no SUS, o paciente se cadastra, recebe o tratamento e entra na fila. Tendo em vista que o prazo para realização é muito extenso, é que se vem buscando essa abreviação por meio do processo judicial", disse Ana Simone, que confirma ter ao menos mais dois casos semelhantes em Ribeirão, ainda em fase de petição.
Atualmente, segundo a Defensoria, cinco centros hospitalares no país estão aptos a fazer a CRS, dentre eles o Hospital das Clínicas de São Paulo. Hospitais no Rio de Janeiro (RJ), Recife (PE), Porto Alegre (RS) e Goiânia (GO) também dispõem do serviço, de acordo com ela.
"Não existe uma questão de urgência, mas sim de necessidade. O Estado não está atendendo a demanda como deveria, daí o cidadão se ver obrigado a ingressar com uma ação para ter o direito reconhecido", explica Ana Simone.
Medida cautelar
A juíza Lucilene Aparecida Canella de Melo acatou o pedido e concedeu uma medida cautelar em 4 de novembro obrigando o Estado a fazer a cirurgia em 30 dias. A decisão foi divulgada esta semana por meio da Defensoria.
A magistrada destacou o desconforto da paciente e julgou que não há necessidade de se esperar o julgamento final para se conceder o direito à cirurgia.
"Diante de tanto sofrimento – a demandar uma rápida resposta do Judiciário –, não se vê nenhuma razão para se aguardar o julgamento final da ação – que certamente será procedente -, para, só então, dar à autora aquilo que lhe é seu de direito e que é inato a todo ser humano: o direito a uma vida plena e digna, que somente é possível com a adequação das características biológicas do ser ao seu sexo psicológico”, expediu a juíza.
Estado
O Departamento Regional de Saúde de Ribeirão Preto, ligado à Secretaria de Estado da Saúde, informou ter sido notificado na segunda-feira (21) sobre a decisão e que trabalhará com o município para que a paciente seja encaminhada a uma unidade de referência.
"Vale destacar que a cirurgia de redesignação sexual é altamente complexa e que deve ser precedida de um trabalho visando preparar o paciente, inclusive do ponto de vista psicológico, para a realização do procedimento", comunicou.
A Prefeitura, por outro lado, cogita recorrer da decisão. Procurado, o Hospital das Clínicas de Ribeirão informou que não realiza esse tipo de procedimento e não tem nada a declarar sobre o assunto.
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