No texto anterior, “A Santíssima Trindade é a melhor comunidade”, alusão ao livro de mesmo título do escritor Leonardo Boff, pudemos observar que a comunhão é uma grande característica da relação entre as três Pessoas Divinas que confirmam a inclusão entre cada uma das três e entre as três juntas. Dessa relação inclusiva, depreende-se a perfeita união por meio da qual a Trindade se estabelece.
Não há hierarquia na Trindade, não é o poder que uma das Pessoas exerce sobre a outra que se absolutiza, mas o serviço que cada uma Delas e Estas juntas produzem para o bem do ser humano, da sociedade e de todo o cosmos: o Pai é um servidor; o Filho é um servidor; e o Espírito Santo é um servidor. O serviço reforça a comunhão da Santíssima Trindade e faz dela a melhor comunidade.
A capacidade de servir se traduz melhor no que podemos chamar “hierodulia” (do grego hierodoulía, entendido como “estar a serviço”), que por sua vez é diferente de hierarquia. Esta pressupõe posições para o exercício do poder, aquela pressupõe relações para o exercício do serviço. Isso é conflitante, inclusive de ser compreendido, em uma sociedade que se estabelece através do poder que uns exercem sobre os outros. Isso gera conflitos numa sociedade cuja produção e reprodução social se confirma por meio da injustiça, das desigualdades, do empobrecimento, da marginalização e da exclusão: tal qual ocorre na sociedade capitalista.
Vale registrar que a produção e a reprodução da sociedade capitalista não se reduzem à imanência do ser humano, ou seja, àquilo que é próprio dos homens e mulheres e das relações que estes estabelecem entre si e com todos. O que se quer dizer é que a sociedade capitalista não produz sentidos apenas na realidade e nos seus fenômenos, mas para além destes, utilizando um aparato ideológico, ela interfere na relação do ser humano religioso com a transcendência, para, também aí, produzir os seus sentidos.
De acordo com Leonardo Boff, “cada tipo de sociedade produz sua representação religiosa adequada. A religião dominante num grupo é a religião do grupo dominante. A forma dominante de representação de Deus é influenciada pela forma como a cultura dominante representa Deus. E ela representa Deus no quadro de seus interesses fundamentais. Assim, na sociedade capitalista, assentada sobre o desempenho do indivíduo, sobre a acumulação privada dos bens, sobre a prevalência do particular sobre o social, normalmente a representação de Deus acentua o fato de Deus ser um só, de ser Senhor de tudo, de ser Todo-poderoso e fonte de todo o poder”.
Dentro dessa circunstância histórica na qual a sociedade capitalista vem se estabelecendo com todos os seus aparatos e produções de sentido, não se consegue compreender, menos ainda assimilar, a comunhão da Santíssima Trindade, ou seja, a unidade inclusiva entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Enquanto a sociedade capitalista se estabelecer, haverá conflitos e muita dificuldade para compreender e assimilar o sentido essencial da relação e da comunhão entre as Divinas Pessoas.
O verdadeiro desafio para a comunidade cristã, como afirma Leonardo Boff, está “na vivência da fé trinitária, da fé comunhão entre distintos, formando uma comunidade viva e aberta”, ainda que para isso tenha que instaurar um processo social que supere o capitalismo, com todas as suas contradições, e promova uma verdadeira ordem social que seja compatível com a dinâmica da relação trinitária, o nosso melhor modelo de comunidade.
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