A literatura cristã é repleta de escritos sobre a manifestação de Deus em Jesus. No entanto, a revelação do divino não se esgota no filho de Deus feito homem, ela se amplia para tornar importantes aqueles e aquelas que circundaram a história do camponês judeu do mediterrâneo e alcança homens e mulheres simples que vivenciaram a experiência misteriosa da divindade que se encarnou para apresentar ao mundo o amor de Deus pelo ser humano.
A história de Jesus é compartilhada com várias histórias, a exemplo da história de José, o seu pai na terra. Embora José seja lembrado pelos evangelistas enquanto pai adotivo, condutor, protetor e provedor da sagrada família, há também outros escritos sobre sua pessoa que não constituem a Bíblia como os assim conhecidos “livros deuterocanônicos”, redigidos no segundo e no terceiro século depois de Cristo.
Nessa coleção de livros que compõem a literatura judaica, há diversos escritos sobre a experiência cristã, entre os quais podem ser destacados os registros sobre José, a saber: o proto-evangelho de Tiago; o evangelho do pseudo-Tomé; a história de José, o carpinteiro; o Livro do Descanso; o evangelho árabe da infância de Jesus; o evangelho do pseudo-Mateus; o evangelho do nascimento de Maria. Todos esses formam o imaginário judaico dos primeiros séculos e podem ser entendidos como representantes da evangelização por meio da linguagem popular de um povo que faz teologia a seu modo e reforça o valor e a dignidade da fé e da piedade que podem ser incorporadas, inclusive, para as reconstruções dos fatos históricos do cotidiano do tempo de Jesus.
O “proto-evangelho de Tiago” põe um acento na relação entre José e Maria, ele viúvo e ela virgem, porém gestante do Filho de Deus por meio da ação do Espírito Santo. O livro destaca um impasse na relação esponsal: se José ocultar a gestação de Maria, pode ser cúmplice de pecado contra a Lei de Deus; se ele expuser o fato publicamente, pode incorrer em erro diante de algo misterioso. Entra em crise, mas recebe um anjo da parte do Senhor que o esclarece sobre o ocorrido.
No “proto-evangelho de Tomé”, José é apresentado como o pai que se vale da autoridade que possui ocupando-se com a instrução do seu filho durante a infância e o início da adolescência. Em determinados momentos, José repreende Jesus; e em outros, enche-se de enternecimento pelo filho que Deus o confiou.
O deuterocanônico sobre “A história de José, o carpinteiro” apresenta algumas narrativas contadas por Jesus sobre José, como esta: “Meu pai José, o ancião bendito, continuou exercendo a função de carpinteiro e assim, com o trabalho de suas mãos, pudemos manter-nos. Jamais se poderá dizer que comeu seu pão sem trabalhar”. No mesmo livro, aparece também um destaque dado por José ao referir que o seu filho é “Jesus Cristo, verdadeiro Filho de Deus e, ao mesmo tempo, verdadeiro Filho do homem”.
No “Livro do Descanso”, há registros sobre a fuga da família para o Egito, os conflitos, a fome, as intempéries do caminho e o medo. O “evangelho árabe da infância de Jesus” apresenta José como pai cuidadoso e mestre em carpintaria a quem o filho ajudava para facilitar os trabalhos. O “evangelho do pseudo-Mateus” foi aquele que mais influenciou a ficção das artes pelo caráter excêntrico e pitoresco com que apresenta as aventuras de Jesus e a cumplicidade dos seus pais, algo muito próprio de uma família comum em que os pais não só permitem as fantasias do filho como também se divertem com ele. O “evangelho do nascimento de Maria” é o mais tardio de todos esses livros. Nele, José assume a guarda de Maria depois de ter em seu bastão o florescimento de um lírio, sinal da pureza de José que o diferenciou dos demais “pretendentes”.
Segundo estudiosos dos livros deuterocanônicos, além de despertar a curiosidade dos leitores sobre os aspectos particulares e até detalhados da vida de Jesus e dos seus pais, eles excitam a fantasia, ampliam a criatividade e inspiram entusiasmo. Além disso, são escritos que alimentam a fé mais popular e auxiliam na produção da imagem pessoal de José como um pai e um esposo de fé, imagem esta que se une às composições da história e da própria teologia cristã.
Esse homem que acolheu a Jesus e por ele reforçou sua paternidade deve ser recordado e estimado para além das funções familiares e sociais que exerceu. O homem José, o velho de Nazaré, é também um representante da teofania, do divino que se manifesta no humano e faz deste um cenáculo de desígnios.
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