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Responsável pela VEP (Vara de Execuções Penais) do Tribunal de Justiça do Amazonas, o juiz Luís Carlos Valois foi chamado na madrugada de 2 de janeiro para ajudar a negociar com os presos o fim do motim no Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim), em Manaus. Ele mediou a liberação de 10 funcionários feitos reféns e viu dezenas de cadáveres serem retirados do presídio pelo IML (Instituto Médico Legal).
O magistrado, que volta nesta segunda-feira ao trabalho para examinar a situação dos 56 mortos e dos participantes do massacre, falou ao Metro Jornal sobre o que viu e analisou os problemas no sistema penitenciário no Brasil.
O Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, diz que o confronto não pode ser explicado só pela guerra das facções [FDN e PCC], mas o Secretário de Segurança do Amazonas, Sérgio Fontes, diz que a disputa foi a razão do massacre. Afinal, quem são os presos que morreram naquela noite?
Fui chamado para ajudar na negociação durante o recesso, então só vou começar a saber essa resposta na segunda-feira [hoje], quando volto ao trabalho. Assim que eu conseguir sentar na minha mesa eu vou descobrir o perfil dos que morreram e dos que mataram. Isso me interessa até academicamente.
O que você sentiu ao ver o saldo do massacre?
O juiz de execução penal tem que olhar para o preso como um ser humano. Não importa quem seja, o juiz está lá para zelar pelo direito do preso. Mas essa minha capacidade [de ver o preso como um ser humano] está abalada, porque eu vi monstros. Vi monstros. Minha fé no ser humano, em geral, está debilitada, e preciso recuperá-la.
O senhor está nessa função há 17 anos. De lá para cá, os presos passaram a ter mais domínio sobre as cadeias?
Sem dúvida, no Brasil inteiro. Quanto mais se agrava a superlotação carcerária, mais difícil é para o agente penitenciário trabalhar lá dentro. Em uma cela em que cabem oito presos e tem trinta, o agente não tem mais como trancar todo mundo em caso de tumulto. O risco de eles se matarem está sempre ali.
Por quê?
Porque cria inimizade. Se até os ministros do STF [Supremo Tribunal Federal], letrados e educadíssimos, brigam um com o outro, imagina um monte de gente ignorante, sem educação, sem saber escrever o nome, sem nada?
Então a guerra entre as facções não é o principal fator de violência nos presídios?
Hoje em dia, a gente não pode valorizar esse nome, “facção criminosa”, como se fosse importante. É uma quadrilha, são bandidos. Essa importância nasceu com o tempo porque a gente legitima isso. Aqui no Amazonas, muitos conhecem [a FDN, apontada como autora do massacre] na penitenciária federal. Ele [o preso] vai para a penitenciária federal e aumenta o status dele no sistema. Aí ele volta poderoso. Líder de pavilhão sempre houve, desde que prisão é prisão. Mas a gente não pode inflar as facções.
O ministro da Justiça tem defendido que não se deve separar os presos por facções criminosas, mas pelo seu grau de periculosidade. O senhor concorda?
Sim, tem que dividir pelo tipo de crime que eles cometeram, isso está na Constituição desde a época do Império. É a lógica.
Como o senhor avalia a privatização do sistema [no Amazonas, a empresa Umanizzare administra os presídios, inclusive o Compaj]?
Não é exatamente uma privatização, é mais uma terceirização dos serviços. Quase tudo – setor médico, educacional, alimentação – é tocado pela empresa, mas a direção ainda é ligada ao Estado. E o controle de segurança interna era da empresa, por funcionários que não andam armados. O problema é que eles ficam sobrecarregados porque o Estado não garante uma lotação máxima. E pelo contrato, a empresa recebe do governo por preso. Esse é o problema.
A gestão privada é ruim?
Do modo como está, sim. Se no Brasil as licitações fossem feitas de forma correta, se não houvesse corrupção nos contratos… não estou dizendo que houve, só acho que se paga para a empresa um valor muito alto pelo que ela proporciona. Olhe esses dados [um levantamento que indica que cada preso das unidades privadas do Amazonas custa R$ 5,86 mil por mês], é um absurdo. Tá doido! Era melhor dar esse dinheiro pra família do preso.
O senhor defende a descriminalização das drogas. Qual a relação entre essa questão e o problema carcerário?
Um dos que morreram no massacre era um condenado primário porque estava transportando drogas em um carro. Aqui [no Amazonas], como no Brasil, a maior parte dos presos é por tráfico. Não digo nem que se precisa liberar [as drogas], porque liberado já é. Precisa regulamentar, recolher imposto, tirar o poder financeiro do tráfico. A solução, para mim, passa por aí.
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