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Para defender-se na Justiça, O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sempre se disse vítima de uma conspiração das “elites”. A ex-presidente Dilma Rousseff considerou seu impeachment uma conspiração de “golpistas”. A palavra "conspiração" aparece agora na carta enviada pelo Michel Temer aos deputados que votarão a segunda denúncia contra ele:
– Jamais poderia acreditar que houvesse uma conspiração para me derrubar da Presidência da República. Mas os fatos me convenceram. E são incontestáveis.
Como toda teoria da conspiração, a de Temer escolhe o que interessa da realidade, esquece o que não interessa e completa com a dose de fantasia necessária para convencer o público.
A parte da realidade que interessa a Temer são as falhas evidentes na delação do grupo J&F, resultado do trabalho açodado da Procuradoria-Geral da República (PGR), ainda sob o comando de Rodrigo Janot:
1) Não houve perícia no áudio da conversa de Temer com o empresário Joesley Batista antes de ele ser divulgado. Mesmo que a perícia da Polícia Federal depois tenha concluído que não houve manipulação e que o trecho mais relevante está íntegro, a defesa de Temer o considera imprestável como prova;
2) O ex-procurador Marcello Miller ainda estava na procuradoria quando começou a aconselhar os delatores, depois se tornou advogado deles, como revelou a conversa entre Joesley e o executivo Ricardo Saud.
3) O procurador Ângelo Vilella, acusado na delação de ter recebido dinheiro para transmitir informações da procuradoria à J&F, disse em entrevista que o objetivo de Janot era derrubar Temer, para evitar que ele indicasse seu sucessor na PGR.
4) O ex-deputado Eduardo Cunha, conhecido por ter mentido descaradamente sobre suas contas fora do país, afirmou em entrevista não ter conseguido fechar seu acordo de delação premiada por recusar-se a incriminar Temer.
Infelizmente para Temer, nem os erros de Janot, nem as entrevistas de Cunha e Vilella bastam para comprovar uma conspiração. Muito menos convencem o brasileiro de que ele é inocente. Eis os fatos que ele esquece:
1) Temer indicou o ex-deputado Rodrigo Loures – pessoa de sua “mais estrita confiança” – como intermediário a Joesley. Loures recebeu R$ 500 mil em espécie, como pagamento pela intervenção em favor da J&F num caso que tramitava no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade);
2) O delator Lúcio Funaro confirma, no vídeo que veio à tona no fim de semana, que Joesley o pagava para que ele mantivesse o silêncio. A irmã de Funaro foi flagrada recebendo parte desse dinheiro de Saud, numa operação controlada pela Polícia Federal;
3) Além de Cunha, os ex-ministros Henrique Eduardo Alves e Geddel Vieira Lima – personagens com ligações históricas com Temer – foram presos, sob acusações de corrupção fundamentadas em provas abundantes;
4) Vários depoimentos sustentam que Temer foi o responsável pela indicação de João Augusto Henriques e depois de Jorge Zelada para a diretoria internacional da Petrobras. Ambos foram presos, mediante provas abundantes de desvio de dinheiro da estatal;
5) De acordo com a delação da Odebrecht, Temer “abençoou” um acordo no escritório dele em São Paulo em 2010, com a presença de Henriques, em que propina para financiar a campanha eleitoral foi negocaida em troca de um contrato da Petrobras;
6) Delatores como Joesley e o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado acusaram Temer de pedir dinheiro para o ex-ministro Wagner Rossi e para a campanha à prefeitura de Gabriel Chalita;
7) Saud acusou Temer de pedir R$ 1 milhão para si próprio, do total de R$ 15 milhões destinados à campanha do PMDB em 2014. O dinheiro veio, disse Saud, da conta corrente mantida com recursos desviados dos financiamentos do BNDES para o PT (os dois partidos eram aliados). Saud contou que a quantia foi entregue no escritório de um coronel amigo de Temer em São Paulo, onde a PF encontrou documentos comprometedores.
Há enfim, na carta de Temer, o ingrediente essencial a toda teoria da conspiração: o desafio à lógica. Ele exibe uma série de números positivos da economia, como se isso em alguma medida o tornasse imune às acusações. A ideia subjacente é que, fosse ele derrubado como querem os “conspiradores”, o país sairia do trilho virtuoso.
A exposição dos números funciona como uma chantagem implícita aos deputados que votarão a segunda denúncia: “Olha lá, prestem atenção! Sejam responsáveis com o país”. É, obviamente, um despropósito. Temer poderia ser o gestor mais virtuoso do mundo na economia, em nada isso alteraria as acusações que pesam contra ele.
Politicamente, contudo, a tática dele é eficaz. Muitos deputados acabarão por rejeitar a segunda denúncia com base no mesmo argumento com que rejeitaram a primeira: o medo do que aconteceria com a segunda troca de presidente em período tão curto. É um argumento aceitável? Talvez. Mas não torna Temer inocente – o processo deverá prosseguir quando ele sair do poder. Muito menos, comprova a tal conspiração.
Fonte: G1
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