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Quatro jovens procuradores, três deles recém-aprovados em concurso, se encontram em uma bela manhã de sol em Colônia, na Alemanha, e resolvem passar o dia juntos. Durante um passeio de barco pelo Reno, entre um gole e outro de um barato vinho Riesling alemão, conversam sobre o Ministério Público, a Constituinte, a redemocratização. Tudo em clima de camaradagem. Uma foto, gasta pelo tempo, registra a alegria e data da confraternização: 20 de agosto de 1988.
Três décadas depois, dois daqueles quatro jovens procuradores, Rodrigo Janot e Gilmar Mendes, tornaram-se protagonistas de um dos momentos mais conturbados da recente história do país, mas atuando em lados opostos. Na condição de procurador-geral da República, Janot lidera a Operação Lava-Jato em Brasília. Depois de corroer bases do governo da ex-presidente Dilma Rousseff, a investigação atingiu em cheio o presidente Michel Temer, oito ministros do governo e as mais brilhantes estrelas do PSDB, PMDB e PP, entre outros expoentes dos grandes partidos do país.
Com a visibilidade do cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Mendes lidera campanha aberta contra ninguém menos que o ex-colega Janot e as mais importantes ações dele na Lava-Jato. Na segunda-feira passada, como parte da sequência de ataques que vêm se multiplicando desde o ano passado, Mendes declarou que Janot é o mais desqualificado procurador-geral da história. No dia seguinte, advogados de Temer pediram ao STF o afastamento de Janot dos inquéritos contra o presidente.
NEM MESMO CONVERSA DE BASTIDOR
A tensão é tão grande entre o ministro e o procurador-geral que os dois não se falam, nem mesmo na sala de lanche do Supremo, onde ministros se descontraem antes, nos intervalos e depois das sessões no plenário. Eles mantêm distância e fogem de qualquer situação que torne um cumprimento inevitável. Em uma entrevista ao GLOBO, Mendes disse que no passado teve relação cordial com Janot. Nada além disso. Os dois passaram no concurso do Ministério Público em 1984, mas seguiram caminhos diferentes.
— Nunca fomos amigos. Tínhamos uma relação cordial. Ado, ado, ado, cada qual no seu quadrado — sentenciou Mendes.
Janot, que já acusou Mendes de sofrer de “disenteria verbal”, disse não ter qualquer problema de natureza pessoal com o ministro. Ele lembra do amistoso encontro entre os dois em Colônia, mas prefere não fazer comentário sobre o clima de permanente beligerância. Janot argumenta que apenas faz o trabalho de procurador-geral e sustenta ainda que nunca partiu para o ataque contra Mendes. A iniciativa dos confrontos, segundo ele, teria sido sempre do ministro.
— Nas poucas vezes em que fiz algum comentário, foi como resposta a uma crítica — disse Janot.
No barco com Mendes e Janot, no já distante 20 de agosto de 1988, estavam também os procuradores Wagner Gonçalves e Guilherme Magaldi, hoje já aposentados. Gonçalves toma partido de Janot. Acha que Mendes só passou a fazer críticas ao procurador-geral depois que a Lava-Jato bateu às portas de tucanos e peemedebistas. Advogado no Rio de Janeiro, Magaldi diz que só tem a lamentar as diatribes entre os dois ex-colegas.
— A vida dá muitas voltas, e eu só queria que eles voltassem a se falar — diz o advogado.
Após voltar de um mestrado na Alemanha, Mendes trabalhou no governo dos ex-presidentes Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso e, num intervalo entre os dois governos, assessorou o ex-ministro Nelson Jobim na Revisão Constitucional de 1993. Nunca mais voltou ao MP. Só saiu do governo para ocupar uma vaga no STF. Janot, que fez mestrado na Itália, se manteve na carreira, presidiu a Associação Nacional dos Procuradores da República e, como chefe da Procuradoria-Geral nos últimos quatro anos, lidera a Lava-Jato, a investigação que colocou sistema político do país em xeque.
Mendes ampliou as críticas a Janot por ele aceitar o acordo de delação do empresário Joesley Batista, um dos pontos de partida das investigações contra Temer, e por pedir prisão do ex-presidente José Sarney. Em março deste ano, numa reação aos ataques, Janot acusou o ministro de ser um “comensal palaciano”. Dois meses depois, Janot voltou a carga e pediu o impedimento de Mendes em processos relacionados ao empresário Eike Batista, porque a mulher do ministro é advogada num escritório contratado pela defesa do empresário.
As escaramuças também não pararam por aí. No mês passado, Mendes se reuniu com Temer em encontro fora da agenda oficial e sugeriu ao presidente a indicação da subprocuradora Raquel Dodge para o cargo de procuradora-geral na vaga a ser deixada por Janot a partir de 17 de setembro. Segunda colocada nas eleições internas do Ministério Público, Raquel se apresentava com a mais anti-Janot entre os candidatos. Com Raquel, diz Gilmar, a PGR finalmente voltaria ao curso normal.
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