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20/10/2017 09:19
Brasil
O abalo na Lava Jato
/ Reprodução

Assim que a Câmara rejeitar a segunda denúncia contra o presidente Michel Temer, na semana que vem, ele terá cumprido o objetivo maior que tem regido todas suas ações desde que foi flagrado numa conversa comprometedora com o criminoso e delator Joesley Batista: livrar-se das acusações de corrupção.

 

 

Cheia de falhas processuais e imprecisa nas acusações – mesmo que correta na essência dos fatos –, a denúncia do ex-procurador-geral Rodrigo Janot (na imagem, ao lado da ministra Cármen Lúcia) terá servido de pretexto para garantir impunidade a Temer e a boa parte dos acusados de integrar uma quadrilha que desviou pelo menos R$ 587 milhões desde 2003.

 

 

Mais que isso, terá sido o gatilho do recuo da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF). A partir da semana passada, quando o STF decidiu submeter ao Parlamento quase todo poder coercivo de que dispunha para constranger investigados contra quem pesam provas de risco de delitos contínuos, a Lava Jato adquiriu contornos idênticos à Operação Mãos Limpas na Itália.

 

 

Lá, um dos maiores entraves às investigações era nenhum detentor de mandato poder responder perante a Justiça sem autorização do Parlamento (autorizzazione a procedere). Em vários casos, processos morreram em votações semelhantes à que manteve o mandato de Aécio Neves – o mais célebre envolveu o premiê Bettino Craxi (só depois de sair do poder, ele respondeu a processo, fugiu do país e morreu no exílio).

 

 

Uma série de leis aprovadas no Parlamento italiano se encarregaram de esvaziar a Mãos Limpas, entre elas o perdão para o caixa dois eleitoral e mudanças na legislação penal em favor dos réus, como a prescrição de crimes ou a preferência por prisão domiciliar como medida de precaução na fase anterior à sentença definitiva.

 

 

No Brasil, um dos instrumentos de investigação ao alcance da Justiça contra parlamentares e detentores de mandato foi limitado pelo STF, única instância com direito de interpretar a Constituição. Mas outras garantias de impunidade persistem. A maior delas é o foro privilegiado. Outra janela será aberta aos criminosos se o STF revir a obrigatoriedade de execução da pena – portanto, de prisão – após sentença em segunda instância.

 

 

A preocupação com o respeito rigoroso aos trâmites jurídico não é um detalhe. Não basta a um processo refletir a verdade dos fatos, ele também precisa transcorrer dentro da lei. Mas ninguém pode ser ingênuo a respeito do significado de todas as janelas abertas à impunidade: elas são um incentivo e à corrupção. Onde a lei é mais fraca, o crime é mais forte. Isso vale para todos os bandidos, tanto nas ruas quanto no Congresso Nacional.

 

 

Para garantir que seus clientes se livrem, os advogados lançam mão de duas manobras jurídicas. A primeira é tentar postergar o julgamento, apostando na prescrição. É para isso que serve o foro privilegiado. Como os tribunais superiores não têm envergadura para julgar tantos casos criminais, a demora funciona a favor dos réus. O mensalão levou sete anos até a sentença. Não é diferente com a Lava Jato. Enquanto a primeira instância acumula mais de uma centena de condenações, até agora o STF não julgou ninguém. Ninguém.

 

 

A outra manobra clássica é tentar invalidar as provas. O menor vacilo na investigação pode derrubar todo um processo, por uma teoria conhecida como “frutos da árvore contaminada”. Se uma prova é invalidada, todas as derivadas dela se tornam imprestáveis. O exemplo clássico é a Operação Castelo de Areia que, com o perdão da imagem óbvia, desmoronou por ter sido iniciada por denúncia anônima. Todas as provas foram anuladas. Na delação Lava Jato, a Camargo Corrêa, alvo da Castelo de Areia, acabou por admitir todos aqueles crimes.

 

 

O maior mérito da Lava Jato foi, desde o início, ter sido realizada com respeito rigoroso ao processo legal. É mínima a revisão das sentenças do juiz Sérgio Moro nas instâncias superiores. Houve tanto aumento quanto revisão nas penas, mas elas no geral se mantiveram.

 

 

Ao atingir o coração de Brasília, o rigor se desfez. Janot foi açodado e produziu, diante da descoberta de esquemas de corrupção repugnantes, acusações incapazes de resistir a um exame detido. O próprio STF se viu pressionado em várias frentes: pela opinião pública sedenta de punição, pelos políticos e pelo governo agarrados à impunidade, pelo volume colossal de inquéritos e processos a correr velozmente rumo ao abismo da prescrição.

 

 

Nenhuma imagem traduziu de modo tão eloquente os dilemas do Supremo quanto o voto de MInerva convoluto e hesitante, titubeante e tartamudo, da ministra Cármen Lúcia na decisão de transferir ao Senado o poder de afastar Aécio. Se além dele e de Temer, ministros e parlamentares também conseguirem escapar da Lava Jato, Cármen e Janot terão lugar de honra na história do fracasso da operação.

 

 

Fonte: G1

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