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17/06/2022 19:54
Justiça
Caso Miguel: juiz que proferiu sentença pede que mãe e avó do menino sejam investigadas
José Renato Bizerra solicitou que Mirtes e Marta sejam investigadas por 'indícios de tortura, maus tratos, racismo, cárcere privado'
Mirtes Renata segura uma foto do filho, Miguel Otávio, de 5 anos, que morreu após cair de um prédio de luxo, no Recife, em 2 de junho de 2020 / — Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press

 O juiz José Renato Bizerra, titular da 1ª Vara dos Crimes contra a Criança e o Adolescente da Capital, solicitou que Mirtes Renata Santana e Marta Santana, mãe e avó de Miguel Otávio, sejam investigadas por indícios de maus-tratos, humilhação, racismo e cárcere privado contra a criança. A solicitação foi feita, com base em depoimentos do processo, na sentença que condenou Sarí Côrte Real.
Miguel estava sob responsabilidade de Sarí quando morreu, aos 5 anos, após cair de um prédio de luxo no Recife, em 2 de junho de 2020. A ex-primeira dama de Tamandaré foi condenada a oito anos e seis meses de prisão por abandono de incapaz com resultado em morte.


A solicitação foi feita na sentença que condenou Sarí Côrte Real pela morte do menino — Foto: Reprodição/TJPE

 

O magistrado ainda pede que a ex-primeira dama de Tamandaré e o marido, o ex-prefeito Sérgio Hacker, sejam investigados por "conivência com a tortura".

A advogada Maria Clara D'Ávila, que representa a família de Miguel Otávio, afirmou que o juiz acatou uma narrativa que a própria defesa da Sarí estava construindo e ressaltou que o que foi dito nos depoimentos, que embasaram a decisão, não é verdade.

"O juiz acatar esse tipo de argumentação sem levar em consideração outros elementos probatórios, sem levantar dados sobre isso, mostra também como o judiciário corrobora com esses argumentos racistas e reproduz esse racismo", afirmou.

Na sentença, o juiz diz que testemunhas do processo reportam tortura, maus tratos, chineladas e preconceito racial contra o menino. "Estas informações estão espalhadas nos depoimentos das testemunhas, do prefeito inclusive. O método pedagógico ou de correção empregado contra Miguel era o terror", afirma.

Com base nos depoimentos, sobretudo de duas testemunhas de Sarí Côrte Real, ele diz que "não era possível se exigir a Miguel tranquilidade, educação, obediência à mãe, à acusada", e culpa a mãe e a avó de Miguel por ele "dar a língua" quando Sarí pediu que ele saísse do elevador.

"Entenda-se o seu gesto, de repúdio à vida que tivera, às pessoas que o cercavam, às agressões, às humilhações", disse, na sentença. Ele acrescentou, ainda, que "o comportamento de Miguel resultou dos maus tratos", que "o forçaram a ser rebelde" e que o menino devolveu com "rebeldia e desobediência".

Por fim, o juiz diz que o Ministério Público, a Polícia Civil, a Defensoria Pública ou "alguma autoridade que tiver competência, deve debruçar-se sobre os autos, apurar nos testemunhos os indícios de tortura, de conivência com a tortura, de maus tratos, de racismo, de cárcere privado, os atos em tese praticados contra Miguel, ele ainda estava vivo".

A advogada Maria Clara D'Ávila afirmou que, além de buscar uma sentença justa pelo que ocorreu com Miguel, a família agora precisa elucidar os fatos tratados nos depoimentos que, para ela, utilizam "argumentos racistas" para tentar responsabilizar a mãe e a avó do menino.

"Ele [juiz] usou de uma narrativa que a própria defesa da Sarí estava construindo, buscando tentar criminalizar Mirtes e Marta, além da própria responsabilização do Miguel. Nessa linha da narrativa que a defesa vinha usando, ela tentou trazer isso nos depoimentos prestados pelas testemunhas", afirmou.

Para Maria Clara D'Ávila, a sentença apresentou "mais uma forma de manifestação do racismo". "É uma forma de responsabilizar ainda a própria mãe, responsabilizar Mirtes e Marta. Na verdade é uma tentativa de criminalizar a forma de maternar de duas mulheres negras né?", disse.

Segundo Maria Clara D'Ávila, as testemunhas que fizeram os relatos considerados pelo juiz para pedir investigação ou eram empregadas ou prestavam serviços a Sarí Côrte Real e ao marido.

"São trabalhadoras vinculadas financeiramente a Sarí e seu marido, no momento que foi prestado depoimento, e continuam sendo. Então elas iam construindo essa argumentação tentando responsabilizar Mirtes e Marta pela forma como se dava o comportamento de Miguel e pela forma como era conduzida a educação dele, querendo contrapor isso à educação dada por Sarí", disse.

A advogada lembrou que Mirtes e Marta não estavam em julgamento no processo. "Em nenhum momento fui demandada a apresentar defesa, provas contrárias, nem nada, então não foi produzido qualquer tipo de prova sobre essas alegações. E nunca houve, por exemplo, denúncias no Conselho Tutelar. Nem outras testemunhas que corroborassem com essa narrativas", declarou.

Por nota, o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) informou que a violência física, sexual e emocional, bem como a negligência contra qualquer criança ou adolescente é crime e que, para combater possíveis omissões, a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Código de Processo Penal determinam que qualquer denúncia deve ser apurada.

No comunicado, o TJPE afirmou que o juiz não poderia ter feito o encaminhamento imediatamente após os depoimentos "que imputam prática criminal à mãe e avó materna, à ré e ao seu marido", pois as testemunhas ainda poderiam modificar seus depoimentos até antes da prolação da sentença.

E que, por isso, o magistrado encaminhou o caso para as autoridades públicas para as devidas apurações. Na nota, o TJPE diz que, se denúncias forem confirmadas, pode ocorrer a denúncia criminal, mas que, se não houver qualquer comprovação, testemunhas que prestaram estes depoimentos podem responder a um processo criminal.

O TJPE foi questionado pelo g1, mas não deu uma resposta sobre a afirmação da defesa de Mirtes de que o judiciário corrobora com argumentos racistas e reproduz esse racismo ao pedir que a mãe e a avó de Miguel sejam investigadas.

 

 

 

 

Fonte: G1

 

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