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É raro que um derramamento de óleo na natureza seja algo intencional. Mas foi exatamente isso que aconteceu recentemente em Ontário, no Canadá.
No início de junho, cientistas despejaram betume - líquido viscoso extraído da areia em algumas regiões do país e transportado em oleodutos que atravessam parte do território - em uma superfície delimitada da Área de Lagos Experimentais do Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (IISD-ELA, na sigla em inglês). O motivo pode parecer um contrassenso: proteger futuros ecossistemas de água doce contra vazamentos de óleo.
Em uma espécie de tubo de ensaio gigante, instalado no lago em que foi montada a estação de pesquisa, os cientistas estão estudando os impactos físicos, químicos, biológicos e toxicológicos do betume em organismos de água doce - dos minúsculos plânctons a sapos e peixes.
Até agora, esse tipo de experimento só tinha sido feito em laboratório, onde não era possível reproduzir o cenário real. É o primeiro estudo do gênero realizado no Canadá - uma oportunidade para os cientistas responderem algumas questões que podem ajudar a proteger os lagos do país: o que acontece com o betume derramado nos ecossistemas de água doce? Onde ele vai parar? E qual o processo de limpeza mais seguro e eficaz (a técnica tem de ser diferente, por exemplo, daquela usada em casos de vazamento de petróleo bruto convencional)?
Nas semanas que antecederam o "derramamento", dezenas de estudantes trabalharam ensacando a areia. Eles transportaram o material de caminhão e quadriciclo por uma trilha até o lago. E, após descarregarem os veículos, levaram os pesados sacos de areia até o deque, para serem colocados nos barcos.
"É um crossfit de baixo custo", brinca Sonya Michaleski, aluna da Universidade de Manitoba, no Canadá.
Transportar sacos de areia é uma parte do trabalho dela. A coleta de muco e vômito de peixe para análise é outra.
Sam Patterson, estudante de pós-graduação, explica a função dele: colher água dos compartimentos antes e depois do derramamento de betume diluído e, em seguida, colocar ovos de rãs-da-floresta na água tratada e não tratada para ver como a exposição afeta seu desenvolvimento.
A maior parte da coleta de dados acontecerá neste verão e no outono, antes que o lago congele. As análises subsequentes da equipe de mais de 30 cientistas serão compartilhadas primeiro em publicações acadêmicas, mas, em última análise, com o público.
O IISD-ELA é uma estação de pesquisa conhecida pela realização de experimentos em lagos. Em estudos anteriores, contaminaram as águas de outros lagos com fósforo, cádmio, mercúrio e estrogênio sintético, princípio ativo das pílulas anticoncepcionais. Até então, nunca com óleo.
A experiência - chamada de Boreal, um acrônimo para Boreal Lake Oil Release Experiment by Additions to Limnocorrals - tampouco será realizada em todo lago. Pequenos compartimentos restringem a área de derramamento de óleo, e quatro medidas de contenção adicionais estão sendo adotadas para evitar a contaminação de todo o espelho d'água, conforme explica o cientista Vince Palace, chefe de pesquisa do IISD-ELA.
Ainda assim, essa área de vazamento menor dará aos cientistas uma ideia muito melhor de como o betume se comporta e afeta o meio ambiente do que o que eles são capazes de reproduzir dentro de um laboratório.
"Em laboratório, há problemas técnicos em relação ao dimensionamento (quando você vai de uma escala pequena para grande)", diz Bruce Hollebone, analista químico da Environment and Climate Change Canada e colaborador do experimento da Boreal.
"Não é como miniaturas de navios, em que você pode testar, por exemplo, como um canal funciona em uma escala muito menor. Você não pode fazer isso com vazamentos de óleo porque tem muitos fatores envolvidos, e todos eles mudam a taxas diferentes quando você aumenta o tamanho."
"O Boreal nos dá a oportunidade de trabalhar não em tamanho real, mas bem perto disso… E realmente nos oferece uma boa noção do que acontece nesses ambientes naturais."
Além disso, o que mais se estuda é o derramamento de óleo nos oceanos. E, mesmo em pesquisas dedicadas à água doce, Hollebone adverte: "Há pouquíssimas que observam os ecossistemas boreais."
A Floresta Boreal é o bioma que está no imaginário popular da típica paisagem canadense: árvores coníferas, rochas de granito, terrenos pantanosos e lagos.
"Metade do Canadá é um ecossistema boreal", acrescenta Hollebone.
Como um derramamento de óleo pode afetar esse e outros ecossistemas tornou-se uma questão controversa no país, principalmente depois que o governo canadense anunciou recentemente a nacionalização de um projeto de oleoduto até o Oceano Pacífico.
Diversos sistemas de transporte, incluindo oleodutos e ferrovias, escoam o óleo pelos ecossistemas boreais do Canadá. Segundo Hollebone, na última década, ocorreram vários vazamentos na floresta e nos pântanos. E, na hora de lidar com os derramamentos, "somos mal equipados em termos de conhecimento", diz ele.
Fonte: G1
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