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16/06/2019 19:32
Saúde
“As pessoas estão morrendo sem direito de lutar pela vida”, alerta defensor público
Por Vanessa Alencar e Gabriela Flores/ Cadaminuto.com

A cada três dias, dois pacientes morrem de câncer em Alagoas, somente no Hospital Geral do Estado (HGE), sem que tivessem chance de acesso ao tratamento adequado nos hospitais de referência. Entre 2014 e abril deste ano, foram registrados na unidade hospitalar, 1.296 óbitos por neoplasias como causa básica da morte. As informações, do defensor público do Núcleo de Direitos Coletivos e Humanos, Daniel Alcoforado, são baseadas em dados encaminhados à Defensoria Pública do Estado pela própria Secretaria de Estado da Saúde (Sesau).

 

“Eu tenho dito que as pessoas estão morrendo sem ter direito de lutar pela vida. Morrer de câncer efetivamente não é o problema, porque é uma doença que mata, o problema é morrer de câncer sem o direito de lutar para sobreviver”, destacou o defensor, em entrevista ao CadaMinuto, na qual traçou um raio-x do atendimento oncológico pelo SUS em Alagoas.

 

Ele explicou que, devido à ausência de vagas nos Centros de Assistência em Alta Complexidade em Oncologia (Cacons) e nas Unidades de Assistência de Alta Complexidade (Unacons), esses pacientes acabam indo para o HGE, único hospital de portas abertas no estado, permanecendo lá muitas vezes por vários dias, recebendo tratamento paliativo, sem que possa iniciar o tratamento oncológico, com cirurgia, quimioterapia e radioterapia. “Isso é muito grave porque, se tratando de câncer, esse diagnóstico preciso e esse tratamento do início certamente pode representar o insucesso da terapia e, por consequência. a morte desse paciente”.

 

A Defensoria tem uma ação civil pública, com decisão definitiva favorável, garantido o direito de todos esses pacientes oncológicos internados no HGE serem transferidos para os Cacons e Unacons, no entanto, segundo Alcoforado, a decisão não vem sendo cumprida e, por isso, a Defensoria precisa interpor, no Poder Judiciário, pedidos de cumprimento de sentença quase semanalmente: “Só esse ano já foram mais de 80 pacientes transferidos por ordens judiciais para que possam iniciar o tratamento dentro de um hospital de referência”.

 

Outro dado alarmante em relação aos pacientes com câncer em Alagoas: 80% daqueles que iniciam o tratamento em Alagoas estão em fase terminal. Para o defensor público, o dado demonstra, por si só, a completa deficiência do Poder Público na área de oncologia. Além disso, o atraso é consequência de fatores como: falta de políticas de prevenção e de comunicação, passando pela ineficiência da rede de atenção básica; déficit na oferta de exames e diagnósticos; e descumprimento, pelos hospitais referenciados, de metas estabelecidas para o credenciamento.

 

“Tudo isso leva ao diagnóstico tardio e, consequentemente, ao tratamento tardio, o que diminui exponencialmente as chances de quem tem câncer em Alagoas superar a doença e conseguir sobreviver”, pontuou Alcoforado.

 

Déficit de leitos

 

A rede de oncologia no estado é dividida em duas regiões, metropolitana e outra que abrange o Agreste e o Sertão, e conforme o Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde, há 45 leitos clínicos e 23 leitos cirúrgicos em Maceió e na segunda macrorregião, 18 leitos clínicos e seis leitos cirúrgicos.

 

“O cenário que nos deparamos diariamente, do sofrimento intenso das famílias que batem à porta da defensoria em busca de vagas para tratamento oncológico, já me dá a certeza de que há um grande déficit no número de leitos no estado e é por isso eu tenho dito, em todas as oportunidades, que vejo como uma oportunidade que não pode ser desperdiçada, esse anúncio do governo do estado de construção de cinco novos hospitais, mas o que me causa realmente estranheza é saber que até agora, no perfil de atendimento desses hospitais, não há previsão sequer de um leito na área de oncologia”, explicou o defensor público.

 

O déficit de leitos e a ineficiência do sistema de regulação desses leitos foram temas de uma reunião, no começo deste mês, entre a Defensoria Pública do Estado, a Defensoria Pública da União, Sesau, secretarias da saúde de Maceió e Arapiraca, Conselho de Secretarias Municipais de Saúde (CONSEMS) e gestores dos hospitais conveniados ao SUS.

 

Na reunião foram firmados compromissos com prazos pactuados, formalizados em atas por parte de gestores e de prestadores de serviços na área de oncologia. Os compromissos passam pela ampliação da rede, tanto adulta quanto pediátrica; cumprimento de metas e contratos pelos prestadores, aumentando a oferta de exames, consultas e biópsias; atualização e implantação do Plano Estadual de Oncologia; realização de campanhas publicitárias na grande mídia voltadas para a prevenção; e a implantação do sistema de regulação ambulatorial e hospitalar, extremamente necessário, conforme Alcoforado, para organizar o sistema e garantir equilíbrio entre a oferta e a demanda: “Hoje essa regulação praticamente não existe, cada prestador tem sua própria fila e não há transparência nem controle, auditoria por parte dos gestores”.

 

Para ele, as medidas são importantes e, se não resolvem definitivamente os problemas, indicam um caminho de melhoria da situação. “Esperamos que todos os compromissos sejam honrados dentro dos prazos pactuados e o não cumprimento desses compromissos certamente implicará na judicialização dessas obrigações”.

 

Mediação

 

Questionado se é possível solucionar parte das demandas relacionadas ao tratamento oncológico sem necessidade de ingressar na justiça, o defensor público afirmou que esse é justamente o propósito primeiro da instituição, a tentativa de solução administrativa e extrajudicial dessas demandas.

 

“Sabemos que o Poder Judiciário está abarrotado e não consegue dar resposta no tempo adequado, notadamente nessa área de saúde, em que a necessidade do cidadão é quase sempre muito urgente, então, apenas quando esgotadas as possibilidades é que lançamos mão de instrumentos e medidas disponibilizadas na lei para salvaguardar o direito do cidadão vulnerável socialmente”, disse Alcoforado.

 

Voltando à rede de atendimento oncológico, o defensor público encerrou com mais um alerta: “A situação é muito grave e é importante que sejam colocadas luzes sobre ela, porque tem muita gente sofrendo muito com a incapacidade do sistema de atender as pessoas que estão padecendo com câncer aqui em Alagoas”.

 

Emenda do 1%

 

No dia 17 de abril deste ano, os deputados estaduais derrubaram o veto governamental à emenda aditiva - de autoria da deputada Jó Pereira e da Comissão de Orçamento da Assembleia Legislativa - remanejando 1% do orçamento, equivalente a mais de R$ 100 milhões, para o tratamento oncológico em Alagoas.

 

Para a parlamentar, o incremento será importante no combate a doença e, devido aos investimentos realizados pelo governo na saúde, como a construção dos novos hospitais, por exemplo, o próprio Executivo terá a necessidade de aumentar os recursos destinados à área. "Trata-se, neste caso, de 1% para corrigir um déficit histórico de atenção à saúde do alagoano", lembrou Jó na ocasião.

 

Nesta segunda-feira (17), uma Audiência Pública proposta pelo deputado Galba Novaes discutirá a criação do Estatuto da Pessoa com Câncer em Alagoas. Segundo o deputado, o encontro visa buscar a ampliação das políticas públicas de saúde que previnam a doença e atendam adequadamente os pacientes em tratamento.

 

A necessidade de incluir a área de oncologia no perfil de atendimento dos novos hospitais também estará em pauta este mês, quando a Sesau apresenta, na Assembleia, o Plano Operativo do Hospital da Mulher.

 

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