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SAÚDE E ESPIRITUALIDADE / Victor Oliveira

Quem é Victor Oliveira? Victor Fellipe Silva de Oliveira, nascido em Palmeira dos Índios/AL, filho de Jorge Tenório de Oliveira e Tânia Maria Silva de Oliveira, é professor, teólogo e enfermeiro. Escreve artigos de opinião especialmente sobre Saúde e Espiritualidade para o F5 AL
25/12/2023 23:42:32
Ele é o divino que sorri e que brinca
"Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava, Ele é o humano que é natural, Ele é o divino que sorri e que brinca" (Fernando Pessoa).

Depois que o menino Jesus nasceu, não basta que o admiremos sobre a manjedoura, é hora de oferecer-lhe o nosso colo, assim como Maria e José o fizeram. O colo não é simplesmente um espaço anatômico formado pelo abdômen e as coxas com auxílio dos braços, mas um altar, um altar de componentes capazes de acolher o humano e também o divino. O colo é um porto seguro porque de fato nos oferece a segurança que precisamos. Todos nós que fomos acolhidos por um colo, seja dos pais, dos avós, de alguém que estimamos muito, sabemos o valor de receber o colo que acalenta, consola, cuida e ama na medida certa.


No texto anterior, a relação entre história e teologia nos ofereceu uma reflexão sobre o nascimento de Jesus. O presente texto continua a refletir, dessa vez sobre a nossa relação com a criança que nasceu. Para tanto, utiliza a comunhão entre teologia e literatura ao transcrever alguns trechos de um poema que o escritor Fernando Pessoa dedicou ao menino Jesus.

 


Num meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia
Vi Jesus Cristo descer à terra

 

Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe
Tinha fugido do céu. Era nosso demais

 

É uma criança bonita de riso e natural
Limpa o nariz ao braço direito
Chapinha nas poças de água
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as

 

Atira pedras aos burros
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães

 

A mim ensinou-me tudo
Ensinou-me a olhar para as coisas
Aponta-me todas as coisas que há nas flores
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas

 

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava
Ele é o humano que é natural
Ele é o divino que sorri e que brinca

 

E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre

 

E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação
E o mais pequeno som, seja do que for
Parece falar comigo

 

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver
Saltando e cantando e rindo

 

A Criança Eterna acompanha-me sempre
A direção do meu olhar é o seu dedo apontando
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas

 

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro
Mas vivemos juntos a dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda

 

Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível
Ri dos reis e dos que não são reis
E tem pena de ouvir falar das guerras
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares

 

Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos os muros caiados

 

Depois ele adormece e eu deito-o
Levo-o ao colo para dentro de casa
Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos
Vira uns de pernas para o ar
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono

 

E conta-me histórias, caso eu acorde
Para eu tornar a adormecer
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é

 


Fernando Antônio Nogueira Pessoa nasceu em Lisboa no dia 13 de Junho de 1888. Filho de Joaquim de Seabra Pessoa e Maria Magdalena Pinheiro Nogueira Pessoa, foi um poeta e crítico literário renomado cujas obras se dedicaram a expressar suas inquietações que se davam a partir de reflexões sobre o seu “eu profundo”. Faleceu aos 47 anos na mesma cidade em que nasceu.

 

Post Scriptum: “E o verbo se fez carne e habitou entre nós”, assim refere o evangelista João ao registrar sua teologia no versículo 14 do capítulo 1 sobre o nascimento de Jesus. Com outras palavras, o escritor Fernando Pessoa reafirma a teologia joanina por meio da arte literária e nos ajuda a compreender que “o verbo se fez carne” no corpo de uma criança que precisa de colo. A partir do poema de Fernando Pessoa, podemos observar que o menino Jesus, adornado com áurea divina, sente necessidades humanas, de se permitir, brincar, sorrir, atirar pedras, enfim, o menino Deus sente necessidade de ser criança e de por nós receber acolhimento.

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Victor Oliveira