SAÚDE E ESPIRITUALIDADE / Victor Oliveira
Eu penso ser impossível compreender Jesus e dar o sentido adequado à fé cristã e ao movimento cristão sem situar o próprio Jesus, sua existência e sua missão, na história e a partir desta. Continua sendo impossível compreender Jesus e dar o sentido adequado à fé cristã e ao movimento cristão sem considerar o seu entorno e as pessoas que se cercaram dele, gente simples, de fé e que nutria a esperança de que Deus mandaria o Messias, aquele que libertaria o povo da opressão vivida na sua realidade, ou seja, uma realidade dominada por um regime militar, sobretudo, político e religioso, que submetia as pessoas às experiências muito difíceis e de consequências muito dramáticas para a existência delas.
Eu participei como membro de um determinado movimento católico por um tempo muito considerável e durante esse tempo era muito incomum ouvir a respeito do Jesus histórico com a precisão da sua existência e o sentido da sua missão, muito menos falar sobre a realidade do seu tempo porque nesse movimento se optava por falar mais em Espírito Santo e Pentecostes. Lembro-me que ouvi certa feita de um dos membros do mesmo movimento que “o Jesus histórico não interessava” porque mais importante que o “Jesus histórico” é o “Cristo da fé”.
Essa afirmação me inquietava... Eu me questionava: “– É isso mesmo? Seria o Cristo da fé mais importante que o Jesus histórico? O Cristo da fé é tão diferente e tão mais importante do que o Jesus da história a ponto de ser necessário valorizar o outro ao invés deste? Estamos falando de uma pessoa ou duas? Será que a experiência da fé no Cristo ‘sentado à direita de Deus’ no campo da transcendência não deve passar pela experiência da fé no Jesus da história, no campo da imanência (daquilo que é próprio do ser humano)? Jesus e Cristo não constituem a mesma pessoa? Essa dúvida pode ser a de muitos ainda hoje, irmãos e irmãs, cristãos, católicos, protestantes...”.
Daí eu penso que nos vem a necessidade de extrair da teologia cristã um conhecimento que nos impulsione ao que realmente importa: a fé no Jesus da história e no Cristo da fé porque estamos falando da mesma pessoa. Jesus de Nazaré é o Cristo, o Ungido de Deus, o Messias, o Profeta, e, sobretudo, o Servo de Javé. Portanto, a experiência da fé em Jesus deve considerar a história e quem Jesus foi e o que ele fez enquanto esteve entre as pessoas do seu tempo. A revelação de Deus em Jesus e o Deus por Jesus revelado passam pela história. Não foi a carne que se fez verbo para ocupar a transcendência, foi o contrário, “o verbo que se fez carne e habitou entre nós” (cf. Jo 1, 14), ou seja, assumiu a nossa humanidade (já diria um pensador cristão muito importante: “– Tão humano assim como Jesus o foi, só sendo Deus mesmo”).
E o que fez esse “verbo que habitou entre nós”? Revelou Deus e o seu Reino, expressados como a Boa Notícia que chega ao ser humano (cf. Lc 4, 16-19 [...]). E como Deus e o seu Reino foram revelados por Jesus? Como a perfeita união e comunhão entre o mundo e o ser humano, convertidos a essa revelação; o Deus amoroso e compassivo que ouve os clamores do seu povo e o atende; e o Reino de Deus, que pode ser traduzido em amor, fraternidade, justiça e paz. E como tudo isso chegou ao povo? Através de atitudes e ações concretas que constituíam a espiritualidade de Jesus Cristo, uma espiritualidade que não se ocupava em fazer de Deus e do Seu Reino objetos de adoração e veneração (cf. Mc 9, 2-13 [atentar para os versículos 5 e 6]; Lc 9, 29-36 [atentar para o versículo 33]), mas se ocupava em mostrar como Deus e o Seu Reino chegava ao povo e o alcançava para oferecer-lhe a salvação (cf. Ex 3, 7-8 – vamos ampliar a salvação de Deus desde o Primeiro até o Segundo Testamento refletindo a partir dessa passagem registrada no Livro do Êxodo).
É na história que se compreende a Espiritualidade de Jesus. Espiritualidade esta que não é uma opção que se faz aqui e ali, mas uma condição que se assume com a própria existência e demonstra que a espiritualidade cristã é, sobretudo, uma espiritualidade de comunhão assim como estão em comunhão o Pai, o Filho e o Espírito Santo, o que Santo Agostinho nos fez entender, desde a Antiguidade, com o livro “A Trindade”; e Leonardo Boff nos fez compreender na Contemporaneidade que essa Trindade é o nosso melhor modelo de comunidade (é o que registra no livro “A Trindade e a Sociedade”).
E o que faremos nós diante dessas reflexões? Como reproduzir a Espiritualidade de Jesus e reforçar o seu seguimento? Falaremos disso em nosso próximo texto.
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