SAÚDE E ESPIRITUALIDADE / Victor Oliveira
Assim afirmava Dom Pedro Casaldáliga, bispo católico, natural da Espanha e radicado no Brasil no final da década de 1960 até os últimos dias de sua vida em São Félix do Araguaia, Mato Grosso, onde foi sepultado às margens do rio em 2020.
Dom Pedro fez uma importante afirmação a respeito de Jesus de Nazaré, o verbo de Deus que se fez carne e assumiu a condição humana, inclusive, viveu as particularidades de um tempo em que deveria trabalhar para ajudar a garantir o sustento da sua família e reforçar o ofício daquele que exercia sua paternidade terreal: José, que segundo os evangelhos exercia a função de carpinteiro (cf. Mt 13, 55; Mc 6, 3).
Ainda que os registros apresentados pelos evangelistas não contenham detalhes sobre o que Jesus fazia dos 12 aos 30 anos de idade, a não ser uma referência mais geral de que “o menino crescia, tornava-se robusto, enchia-se de sabedoria; e a graça de Deus estava com ele” (Lc 2, 40), chama-nos à atenção a referência que o evangelista Marcos faz a Jesus, não como “o filho do carpinteiro” (tal qual registrado por Mateus), mas como o próprio carpinteiro: “De onde lhe vem tudo isto? E que sabedoria é esta que lhe foi dada? E como se fazem tais milagres por suas mãos? Não é este o carpinteiro, o filho de Maria [...]?” (Mc 6, 3).
No tempo de Jesus, assim como encontramos algumas semelhanças no nosso tempo, o ofício do pai era transmitido para o filho. No pequeno vilarejo chamado Nazaré, a criança, tão logo pudesse, começaria a trabalhar desde cedo porque não se concebia a infância como nos dias atuais. A cultura era outra e as regras sociais também. Portanto, ao referir que José era um trabalhador de carpintaria, um construtor (como também é possível entender o termo), Jesus também o foi e exerceu este ofício extraindo dele a dignidade de um homem trabalhador.
E como trabalhador, nascido em uma família muito pobre que não detinha os privilégios das classes abastadas, Jesus deve ter sentido as intempéries do mundo do trabalho que não deveria ser fácil no seu tempo. Ele deve ter sentido os dramas da classe trabalhadora submetida ao legalismo romano por meio da cobrança de impostos, de ser ultrajada por um sistema de opressão e distanciada da fartura presente nos banquetes da elite.
Contudo, Jesus não se vitimizou pelas condições sociais mais marginais do seu tempo, não se conteve na pobreza de um vilarejo, e a partir da experiência do batismo se apropriou da condição divina na sua humanidade. Assumindo-se Messias, trouxe a boa notícia de que o Reino de Deus já estava entre os seus, a começar pelos pobres e oprimidos, e que era preciso ser convertido a essa verdade e crer na sua força de transformação individual e coletiva.
O que é inspirador em Jesus, para além das características da sua divindade, localiza-se na consciência, na liberdade e no compromisso com os princípios do Reino de Deus. Características de uma humanidade vivida radicalmente. Trata-se de um trabalhador que se uniu a outros trabalhadores para que a igualdade, a generosidade, a justiça e a paz fossem oferecidas a todos. E esse testemunho, registrado nas Escrituras, é a herança herdada por cristãos e cristãs que almejam transformar o mundo a fim de garantir a vida plena para todos e todas: eis a força histórica do cristianismo liderado por um trabalhador nazareno.
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