SAÚDE E ESPIRITUALIDADE / Victor Oliveira
Faz algum tempo que o Piso Nacional da Enfermagem (Projeto de Lei do Congresso Nacional/PLN 5/2023 que prevê a destinação de recursos do orçamento público para Enfermeiros/as, Técnicos/as e Auxiliares de Enfermagem e Parteiros/as) ouriça as entidades representantes das instituições privadas que insistem em admitir o Piso como algo inconstitucional e que causará impacto econômico, particularmente para aquelas instituições.
Segundo Nota Conjunta emitida por representantes dos empregadores do setor privado (Abramed, anahp, abcdt, FBH e CNSaúde), o Piso Nacional da Enfermagem não estabelece as “respectivas fontes de custeio”, tratando a liberação de recursos orçamentários que já foi aprovada pelo Congresso Nacional como “aumento de gastos do setor público”. Vejamos, a iniciativa privada critica o que foi tratado pelo parlamento, refere a dispensação de recursos públicos como “aumento de gastos” desde que não haja “compensação para o setor privado”, porque se houver passa a ser um investimento?
O Governo Federal destina atualmente R$ 7,3 bilhões para financiar o Piso Nacional da Enfermagem. No tocante ao financiamento, é preciso questionar nessa Nota Conjunta o porquê dela não considerar devidamente a “desoneração da folha de pagamentos” (o que é previsto para as instituições privadas) tratando a desoneração apenas como algo que não foi concretizado. Pois é, se a iniciativa privada endossa os impasses para a implantação do Piso Nacional, rogando a suspensão deste por meio de liminar do Supremo Tribunal Federal, como dar seguimento à implantação do Piso Nacional, à destinação dos recursos públicos (para as instituições públicas e filantrópicas) e à desoneração da folha de pagamento para as instituições privadas?
Vale ressaltar que essa desoneração é uma medida econômica que reduz a carga tributária e beneficia empresas de diversos setores que pagam uma alíquota de contribuição para a Previdência Social que varia de 1% a 4% sobre a receita bruta, em vez dos habituais 20% sobre o total de salários. Essa mesma desoneração é proposta pelo Piso Nacional da Enfermagem com o intuito de apoiar as instituições privadas no que diz respeito ao financiamento do Piso.
A Nota Conjunta registra argumentos que distratam o Piso da Enfermagem referindo que o setor privado está “ameaçado de viver uma profunda crise financeira”, que o Piso põe “em risco a existência de pequenos e médios hospitais, lares de idosos, clínicas de diálise”, “e que levará a demissões em massa, fechamento de leitos hospitalares e queda da qualidade assistencial”.
O que vemos é uma mistura de vitimização e ressentimento que não cabem na realidade das instituições privadas no Brasil, haja vista que as mesmas são privilegiadas pelo lucro fruto da produção de serviços concretizada pelos mesmos trabalhadores que por aquelas instituições são desvalorizados e contra os quais se impõem as entidades de representação das instituições privadas a vociferar ameaças, até mesmo uma liminar que retira dos trabalhadores da Enfermagem o direito de ter o salário valorizado.
Sobre os privilégios do setor privado no campo da saúde vale registrar que, segundo a Agência Nacional de Saúde (ANS), no auge da pandemia, as operadoras privadas lucraram R$12 bilhões (considerando o ano de 2020; em 2019, foram R$ 11 bilhões). Por seu turno, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) registrou alguns dados do anuário sobre a indústria farmacêutica no Brasil que gerou só em 2019 um faturamento de quase R$ 90 bilhões com uma tendência de crescimento importante para os anos seguintes, uma vez que havia crescido 7,9% em relação a 2018.
Interessante quando as entidades de representação vêm a público afirmar a inconstitucionalidade do Piso da Enfermagem, mas nada referem sobre a inconstitucionalidade da privatização no país, pois de acordo com a Constituição Federal, no primeiro parágrafo do artigo 199, “as instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste [...]”, e não o assumindo ou assumindo suas instituições mais importantes.
Vale frisar também que inconstitucional é quando se recebe por dentro do SUS “auxílio” do capital financeiro internacional para subsidiar a assistência à saúde no país. Como disse o pesquisador Mário Scheffer, do Departamento de Medicina Preventiva da USP, em entrevista à Revista Radis (sobre saúde pública), a vocação especulativa do capital estrangeiro tem o objetivo de investir alto para ter retorno alto “principalmente em serviços baseados em valores e preferências particulares”.
Alguém e até mesmo os administradores das instituições privadas no campo da saúde e suas entidades de representação podem afirmar que é um direito lucrar. Com isso, podemos entender que é um direito tornar a saúde uma mercadoria? Logo a saúde que, como a própria Constituição Federal afirma, é um direito de todos e dever do Estado?
A iniciativa privada sempre faz questão de deixar claros os direitos que tem. E o dever de valorizar o salário dos trabalhadores fica com quem? Basta se vangloriar porque emprega os trabalhadores? E as condições de trabalho? E a valorização? Será que é pedir demais que os trabalhadores tenham seus direitos salariais alcançados?
Uma Nota Conjunta como essa que é publicada para difamar o Piso Nacional da Enfermagem não serve para registrar uma preocupação das instituições privadas porque aparece para sensibilizar a comunidade com puro sensacionalismo. Na verdade, a nota serve para nos alienar da realidade porque preocupantes são as ameaças que essas entidades fazem aos trabalhadores cujos direitos são aviltados por um sem número de patrões.
Fazer parte de propostas em conjunto com os entes públicos a fim de beneficiar os trabalhadores e as trabalhadoras vale menos do que ameaçá-los de demissão? Reforçar a valorização salarial dos trabalhadores da Enfermagem vale menos do que rogar pela inconstitucionalidade de uma lei que prevê os direitos da maior categoria da saúde em números de profissionais?
Até o dia 1.º de maio de 2023, feriado nacional do dia do trabalhador, o PLN 5/2023 foi aprovado pelo Plenário e destinado à sanção presidencial, que deve ocorrer até o dia 18 do corrente mês. A sanção do Piso Nacional será uma grande vitória para os trabalhadores e as trabalhadoras de Enfermagem que devem ter os seus direitos assegurados, inclusive, os relacionados à valorização salarial.
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